quinta-feira, 24 de maio de 2012

Cantam Pássaros Exoticos no Teu Púbis




Cantam pássaros exóticos no teu púbis.
Como espelhar graficamente
uma melodia de sonho?

Cantam pássaros exóticos no teu púbis.
Como definir a breve vertigem
nos momentos de lucidez?

Cantam pássaros exóticos no teu púbis.
Como descrever o frémito singular
com as palavras banais de todos os dias?

Cantam pássaros exóticos no teu púbis.
Cantam. Ou imagino-os.
Oiço-os. Ou adivinho-os.
Quantas decepções cabem no abismo
que separa A Sensação de A Palavra?

Cantam pássaros exóticos no teu púbis.
Para nós ambos, no vórtice do delírio.
Como ouvi-los sem ser a deliberar?
E como delirar sem os ouvir?

Cantam pássaros exóticos no teu púbis.
O êxtase está além do abraço desesperado
além dos copos do peito além da sanguessuga
labiar além das ancas convulsivas além
dos rostos de mármore esbraseados

Cantam pássaros exóticos no teu púbis.
E só ouvindo-os nos amamos como sonhamos. 

Poemas da amiga

A tarde se deitava nos meus olhos
E a fuga da hora me entregava abril, 
Um sabor familiar de até-logo criava 
Um ar, e, não sei porque, te percebi.


Voltei-me em flor. Mas era apenas tua lembrança.
Estavas longe doce amiga e só vi no perfil da cidade
O arcanjo forte do arranha-céu cor de rosa,
Mexendo asas azuis dentro da tarde.


Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus amigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.


Meus pés enterrem na rua Aurora, 
No Paissandu deixem meu sexo, 
Na Lopes Chaves a cabeça 
Esqueçam.


No Pátio do Colégio afundem 
O meu coração paulistano: 
Um coração vivo e um defunto 
Bem juntos.


Escondam no Correio o ouvido 
Direito, o esquerdo nos Telégrafos, 
Quero saber da vida alheia 
Sereia.


O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...


Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir, 
O joelho na Universidade,
Saudade...


As mãos atirem por aí, 
Que desvivam como viveram, 
As tripas atirem pro Diabo, 
Que o espírito será de Deus.
Adeus.

A serra do rola-moça



A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não...


Eles eram do outro lado,
Vieram na vila casar.
E atravessaram a serra,
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo.


Antes que chegasse a noite
Se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
E se puseram de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo.


Os dois estavam felizes,
Na altura tudo era paz.
Pelos caminhos estreitos
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Riam até sem razão.


A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.


As tribos rubras da tarde
Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões,
Temendo a noite que vinha.


Porém os dois continuavam
Cada qual no seu cavalo,
E riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
Com as risadas dos cascalhos,
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam,
Buscando o despenhadeiro.


Ali, Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz ...
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.


E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.

Aceitarás o amor como eu o encaro ?


Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
...Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Moça linda bem tratada















Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.


Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo, 
Burro como uma porta:
Um coió.


Mulher gordaça, filó, 
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...


Plutocrata sem consciência, 
Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba

Inspiração



“Onde até na força do verão havia
tempestades de ventos e frios de
crudelíssimo inverno.”
Fr. Luís de Sousa

São Paulo! Comoção de minha vida...
Os meus amores são flores feitas de original...
Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza e ouro...
Luz e bruma... Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...
Perfumes de Paris... Arys!
Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!...

São Paulo! Comoção de minha vida...
Galicismo a berrar nos desertos da América!

Garoa do Meu São Paulo




Garoa do meu São Paulo,
-Timbre triste de martírios-
Um negro vem vindo, é branco!
Só bem perto fica negro,
Passa e torna a ficar branco.

Meu São Paulo da garoa,
-Londres das neblinas finas-
Um pobre vem vindo, é rico!
Só bem perto fica pobre,
Passa e torna a ficar rico.

Garoa do meu São Paulo,
-Costureira de malditos-
Vem um rico, vem um branco,
São sempre brancos e ricos...

Garoa, sai dos meus olhos.

Paisagem N.º 1


Minha Londres das neblinas finas!
Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.
Há neve de perfumes no ar.
Faz frio, muito frio...
E a ironia das pernas das costureirinhas
parecidas com bailarinas...
O vento é como uma navalha
nas mãos dum espanhol. Arlequinal!...
Há duas horas queimou Sol.
Daqui a duas horas queima Sol.

Passa um São Bobo, cantando, sob os plátanos,
um tralálá... A guarda-cívica! Prisão!
Necessidade a prisão
para que haja civilização?
Meu coração sente-se muito triste...
Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas
dialoga um lamento com o vento...

Meu coração sente-se muito alegre!
Este friozinho arrebitado
dá uma vontade de sorrir!

E sigo. E vou sentindo,
à inquieta alacridade da invernia,
como um gosto de lágrimas na boca...

Ode ao Burguês


Eu insulto o burgês! O burguês-níquel, 
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
_ Um colar... _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

O Domador


Alturas da Avenida. Bonde 3.
Asfaltos. Vastos, altos repuxos de poeira
sob o arlequinal do céu oiro-rosa-verde...
As sujidades implexas do urbanismo.
Filés de manuelino. Calvícies de Pensilvânia.
Gritos de goticismo.

Na frente o tram da irrigação,
onde um Sol bruxo se dispersa
num triunfo persa de esmeraldas, topázios e rubis...
Lânguidos boticellis a ler Henry Bordeaux
nas clausuras sem dragões dos torreões...

Mário, paga os duzentos réis.
São cinco no banco: um branco,
um noite, um oiro,
um cinzento de tísica e Mário...
Solicitudes! Solicitudes!

Mas... olhai, oh meus olhos saudosos dos ontens
esse espetáculo encantado da Avenida!
Revivei, oh gaúchos paulistas ancestremente!
e oh cavalos de cólera sangüínea!

Laranja da China, laranja da China, laranja da China!
Abacate, cambucá e tangerina!
Guarda-te! Aos aplausos do esfuziante clown,
heróico sucessor da raça heril dos bandeirantes,
loiramente domando um automóvel!

Tietê




Era uma vez um rio...

Porém os Borbas-Gatos dos ultra-nacionais esperiamente!

Havia nas manhãs cheias de Sol do entusiasmo
as monções da ambição...
E as gigânteas!
As embarcações singravam rumo do abismal Descaminho...

Arroubos... Lutas... Setas... Cantigas... Povoar!...
Ritmos de Brecheret!... E a santificação da morte!...
Foram-se os ouros!... E o hoje das turmalinas!...

- Nadador! vamos partir pela via dum Mato-Grosso?
- Io! Mai!... (Mais dez braçadas.
Quina Migone. Hat Stores. Meia de seda.)
Vado a pranzare com la Ruth.

Lundu do Escritor Difícil

Eu sou um escritor difícil 
Que a muita gente enquizila, 
Porém essa culpa é fácil 
De se acabar duma vez: 
É só tirar a cortina 
Que entra luz nesta escurez. 

Cortina de brim caipora, 
Com teia caranguejeira 
E enfeite ruim de caipira, 
Fale fala brasileira 
Que você enxerga bonito 
Tanta luz nesta capoeira 
Tal-e-qual numa gupiara. 
Mas gaúcho maranhense 
Que pára no Mato Grosso, 
Bate este angu de caroço 
Ver sopa de caruru; 
A vida é mesmo um buraco, 
Bobo é quem não é tatu! 

Eu sou um escritor difícil, 
Porém culpa de quem é!... 
Todo difícil é fácil, 
Abasta a gente saber. 
Bajé, pixé, chué, ôh "xavié" 
De tão fácil virou fóssil, 
O difícil é aprender! 

Virtude de urubutinga 
De enxergar tudo de longe! 
Não carece vestir tanga 
Pra penetrar meu caçanje! 
Você sabe o francês "singe" 
Mas não sabe o que é guariba? 
— Pois é macaco, seu mano, 
Que só sabe o que é da estranja.

Descobrimento



Abancado à escrivaninha em São Paulo 
Na minha casa da rua Lopes Chaves 
De supetão senti um friúme por dentro. 
Fiquei trêmulo, muito comovido 
Com o livro palerma olhando pra mim. 

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus! 
muito longe de mim 
Na escuridão ativa da noite que caiu 
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos, 
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia, 
Faz pouco se deitou, está dormindo. 

Esse homem é brasileiro que nem eu.

Eu sou Trezentos


Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta, 
As sensações renascem de si mesmas sem repouso, 
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras! 
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!
Abraço no meu leito as milhores palavras, 
E os suspiros que dou são violinos alheios; 
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.

Mário de Andrade na Semana da Arte Moderna


Mário de Andrade foi um dos artistas mais destacados da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal em 1922.No segundo dia de espetáculos, durante o intervalo, em pé na escadaria do Teatro Municipal, leu algumas páginas de seu livro de ensaios "A Escrava Que Não É Isaura". O público, despreparado para a ousadia, reagiu com vaias. A Escrava que não é Isaura (1922-1924) é espécie de manifesto, e o texto é dedicado ao seu amigo Oswald de Andrade.
Na primeira parte desse texto, o poeta Mário de Andrade enuncia algumas fórmulas e receitas para a poesia. O que não deixa de ser irônico porque ele está contra o formalismo dos parnasianos.
Na segunda parte, Mário de Andrade mostra como deve ser feita a nova poesia: Tecnicamente: Verso Livre, rima livre, vitória do dicionário. Esteticamente: Substituição da ordem intelectual pela ordem subconsciente, rapidez e síntese, polifonismo.”

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A grande descoberta de seu talento

Em 1904 escreve o primeiro poema, cantado com palavras inventadas. "O estalo veio num desastre da Central durante um piquenique de subúrbio. Me deu de repente vontade de fazer um poema herói-cômico sobre o sucedido, e fiz. Gostei, gostaram. Então continuei. Mas isso foi o estralo apenas. Apenas já fizera algumas estrofes soltas, assim de dois em três anos; e aos dez, mais ou menos, uma poesia cantada, de espírito digamos super realista, que desgostou muito minha mãe. "— Que bobagem é essa, meu filho?" — ela vinha. Mas eu não conseguia me conter. Cantava muito aquilo. Até hoje sei essa poesia de cor, e a música também. Mas na verdade ninguém se faz escritor. Tenho a certeza de que fui escritor desde que concebido. Ou antes... Meu avô materno foi escritor de ficção. Meu pai também. Tenho uma desconfiança vaga de que refinei a raça..." Este o depoimento do escritor a Homero Senna, publicado no livro "República das Letras", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1996, 3a. edição, sobre como havia começado a escrever.

Mário Raul de Moraes Andrade - Biografia

Mario Raul de Moraes Andrade (9/10/1893 - 25/02/1945)
No dia 9 de outubro de 1893, em São Paulo, nasceu um grande nome da literatura brasileira. Mário Raul de Moraes Andrade, filho de Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes Andrade, nasceu em família rica e nobre. Se formou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde seria professor e foi um dos criadores do modernismo no Brasil. Junto com Oswald e outros intelectuais, Mário ajudou a preparar a Semana de Arte Moderna que foi realizada em 1922Na musicologia, seu "Ensaio Sobre a Música Brasileira" (1928) influenciou nossos maiores compositores contemporâneos, nomes como Heitor Villa-lobos, Francisco Mignone, Lorenzo Fernández, Camargo Guarnieri. Mario de Andrade lecionou por algum tempo na Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro) e exerceu vários cargos públicos ligados à cultura, no que sobressaía seu lado de pesquisador do folclore nacional. Teve ainda participação importante nas principais revistas modernistas: "Klaxon", "Estética" e "Terra Roxa e Outras Terras". Morreu de ataque cardíaco, no dia 25 de fevereiro de 1945, aos 51 anos, em sua cidade natal. Sua obra poética foi reunida e publicada depois de sua morte em "Poesias Completas".